domingo, 7 de dezembro de 2014

Com quantas mãos se faz uma Jornada?

Essa Teia que aqui se fortalece não é costura de um bichinho só. Somos muitos e muitas trabalhando para fiar horizontes de justiça. Da mesma forma, construir um evento com mais de 1000 pessoas como é esta III Jornada não é resultado de nenhum samba de uma nota só.

Para se ter uma ideia, durante a Jornada foram formadas 10 Comissões de Trabalho!!! Cada um desses grupos é composto por companheiras e companheiros de diferentes elos da Teia, além de pessoas que chegaram para participar da Jornada e aderiram ao trabalho de produção.

Mas não se engane! Não é porque uma pessoa faz parte de um determinado grupo que seu trabalho não alimenta e depende do trabalho de todas as outras comissões! A equipe de recepção, por exemplo, precisa se articular com a infraestrutura, para garantir que todos e todas tenham onde se acomodar durante o evento. Já a equipe de oficinas está em constante diálogo com a de sistematização, pensando a dinâmica complexa da programação.

Aqui, nosso trabalho não é alienado. Nós plantamos junt@s a Jornada, para que possamos garantir a colheita dos frutos, que serão nossos. Se lutamos a favor da reconquista de nossa dignidade, é só por meio dela que podemos construir nosso caminhar. Assim, durante essa Jornada, buscamos por em prática o mundo que queremos construir.

Há companheiras e companheiros que não estão sob a luz dos holofotes. Nem por isso são menos fundamentais para que a Jornada aconteça. A Silvia, por exemplo, é assentada no Terra Vista e responsável pela coordenação da equipe que faz as deliciosas refeições que saboreamos durante esses dias aqui. Na cozinha do Centro de Formação Florestan Fernandes, trabalham intensamente cerca de 10 pessoas entre 5h e 19h. Além de preparar o nosso alimento, essas pessoas também tiveram o cuidado de garantir que gestantes, anciões e crianças pequenas tivessem uma cozinha específica, com o intuito de oferecer-lhes a refeição de maneira ágil e confortável.


Outra equipe que pouca aparece e muito faz é a de segurança. Durante esses quatro dias, Xixa e sua equipe foram responsáveis por cuidar da abertura e fechamento dos portões do território Terra Vista, garantindo assim a integridade do espaço e das pessoas que aqui estão. Também foi esse pessoal que, durante as madrugadas, esteve luminosa como a Lua, cuidando que as atividades culturais se desenvolvessem de maneira tranquila, não atrapalhando o merecido descanso d@s presentes.

Além dessas, há uma infinidade de pessoas que, mesmo não falando nas plenárias, tiveram uma participação imprescindível para que essa Jornada seja o que foi e o que é.

A elas, nosso mais profundo agradecimento!

Carta da III Jornada de Agroecologia da Bahia

"Pelos caminhos da América, no centro do continente, marcham punhados de gente, com a vitória na mão. Nos mandam sonhos, cantigas, em nome da liberdade, com o fuzil da verdade, combatem firme o dragão. 

Pelos caminhos da América há um índio tocando flauta, recusando a velha pauta que o sistema lhe impôs. No violão um menino e um negro tocam tambores, Há sobre a mesa umas flores pra festa que vem depois."

Zé Vicente - “Pelos Caminhos da América


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Elas e eles, mais de mil e duzentos, chegaram de todas as partes chocalhando seus maracás, tocando seus tambores e atabaques, percutindo seus berimbaus e caxixis, dedilhando seus violões e acordeons e soprando suas flautas e gaitas. Chegaram com ginga, com cores, com alegria, trouxeram suas sementes sagradas e seus saberes ancestrais. Nos seus alforjes, sonhos, rebeldias e esperanças de um novo mundo possível para TOD@S. Na primeira semana de dezembro de 2014, entre 4 e 7, aconteceu nosso Grande Encontro no Assentamento Terra Vista, em Arataca, sul da Bahia, com o tema: “Sementes, ciência e tecnologia agroecológica, para mudar a realidade das comunidades no campo e na cidade”.

Foram quatro dias intensos de partilhas, reflexões, práticas, celebrações e uma mística que envolvia a tod@s. Com oficinas temáticas, mini-cursos, mesas redondas, momentos lúdicos, conversas ao pé da fogueira, ocupamos os diversos “cantos” do assentamento. Junto a isso, a feira troca-troca de sementes crioulas, os banhos no Rio Aliança e as diversas reuniões políticas dos movimentos aqui presentes, levaram-nos as seguintes constatações:

* A certeza de que a caminhada realizada desde a I Jornada no final de 2012, com a consolidação da Teia de Agroecologia dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica, deve continuar.  A Teia atuará de forma permanente enquanto uma rede que reconstrói a solidariedade entre as comunidades tradicionais, movimentos do campo e da cidade, ampliando assim o sentido da agroecologia, tão distorcida pelo excesso acadêmico e teórico e de tão pouca prática. Devemos desconstruir o tecnicismo perigoso, para defender uma agroecologia que une os povos e saberes, para garantir saúde dos nossos alimentos, solos e águas, das nossas relações sociais, da nossa identidade cultural, espiritual e ancestral. Como vimos fortemente nesta III Jornada, nos comprometemos na luta pela preservação e garantia de nossas sementes - “Patrimônio genético dos povos e da humanidade”.

* Assim como na II Jornada, percebemos e reafirmamos o compromisso de consolidar uma saúde de boa qualidade, diferenciada e autônoma, que reafirme nossos modos de vida ancestrais e nossa forma de construir política e militância. Isso só é possível a partir da luta pela garantia dos territórios, de alimentos saudáveis e da vida de nosso povo e lideranças. A agroecologia, então, é também uma forma de enfrentamento do sistema opressor e a Teia se propõe a conduzir ações solidárias diretas em defesa desses objetivos. Assim, nossa luta segue o caminho irrestrito da defesa da terra e da construção de uma soberania popular que só pode ser conquistada a partir de nosso suor.

* Exigimos a democratização da terra, a garantia dos territórios dos povos, a desintrusão e regularização imediatas dos territórios indígenas e quilombolas, além da reforma do solo urbano. Repudiamos veementemente os ataques dos ruralistas, com a conivência do Estado Brasileiro, contra os direitos duramente conquistados pelos povos do campo. Por isso, dizemos NÃO às propostas de Emendas Constitucionais (PECs), Projetos de Leis (PLs) e Portarias Ministeriais que atacam e tentam tirar direitos já conquistados. Todos esses instrumentos buscam inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras dos povos tradicionais; reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados; facilitar a invasão, exploração e mercantilização dos territórios sagrados dos povos das florestas. Continuaremos numa luta constante contra todos estes instrumentos jurídicos e legislativos que tentam deslegitimar as lutas e retirar os direitos constitucionais destas populações.

* Rechaçamos as propostas dos serviços ambientais no contexto da economia verde, incluindo seu maior expoente, o REDD+. Isso continuará sendo uma parte central da nossa luta contra o capitalismo e as indústrias extrativas, mineradoras, assim como outras que se alinham ao capitalismo espoliador e destruidor da natureza e de seus povos. Reafirmamos o compromisso de nos organizarmos pela defesa e autonomia dos nossos territórios, das populações que vivem, dependem e são parte das florestas, pela defesa da Mãe Terra. Basta de projetos espoliadores! Não aos serviços ambientais! Lutar contra REDD+ também é combater o capitalismo!

* Reafirmamos que lutar não é crime. Não à criminalização e extermínio dos povos que defendem seus territórios! Queremos um basta imediato no processo de criminalização das lutas e das lideranças.

* Exigimos que os governos municipais, estaduais e o governo federal cumpram com suas obrigações constitucionais e garantam os nossos direitos. Que possamos ter políticas públicas que, verdadeiramente, atendam e respeitem as nossas necessidades e  especificidades. Isto não é um favor, é um direito!

* Invocamos a proteção dos nossos encantados, os seres de luz, para continuarmos lutando contra os projetos de morte, que em nome do dito “progresso”, conhecido como agronegócio e hidronegócio, ataca e agride nossas comunidades, desrespeita  identidades culturais, ferem a Mãe Natureza e seus filhos e filhas. Lutaremos sempre por uma educação descolonial, não patriarcal, antirracista e libertadora, que nos leve a concretizar o nosso Bem Viver.

* Percebemos a necessidade e nos comprometemos em aperfeiçoar a prática da agroecologia nos nossos territórios, articulando saberes ancestrais com novos conhecimentos, usando tecnologias e formação política para o empoderamento popular. Nos comprometemos com a ampliação dos nossos bancos de sementes e viveiros de mudas, com o manejo e uso da agroecologia e biodiversidade em SAF’s (Sistemas Agro Florestais). Fortaleceremos modelos comunitários de produção, sem o uso de venenos e construindo uma grande Teia de tecnologias sociais, onde a camponesa e o camponês, com seus saberes tradicionais, são fundamentais para garantir a soberania dos povos em suas terras.

* Firmamos nossa atuação com as diferentes gerações e nos comprometemos com a educação para a rebeldia e desobediência; com a formação política e vivências comunitárias para nossas crianças e jovens; e com o enfrentamento das opressões contra as mulheres, a população negra, indígena e LGBT, no campo e nas periferias das cidades.

* As mulheres da Teia reafirmam a necessidade da consolidação de um modo de atuação que garanta a organização autônoma de seus espaços, fortalecendo o enfrentamento da opressão de gênero no campo e na cidade.

* A Teia dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica sente a necessidade e a importância de articular com outros povos, por isso se faz necessário a vinculação com a Via Campesina, agregando nossas ações aos povos do mundo e colaborando com o avanço da luta no estado da Bahia, tão fragmentada por disputas mesquinhas, quase sempre conduzidas pelas disputas partidárias.

* Nos comprometemos em continuar a nossa jornada unid@s, partilhando os nossos saberes, construindo coletivamente nossos sonhos, protegendo as nossas sementes, organizando em mutirão as nossas lutas, exigindo com responsabilidade e de forma propositiva os nossos direitos, transformando os nossos espaços em territórios sagrados, semeando sementes de esperança para colhermos frutos de vida e plenitude, retirando e impedindo o uso de venenos e agrotóxicos não só da terra, mas de nossa convivência, para podermos saborear num futuro bem próximo um chocolate amargo-doce, resultado de uma corrente de diferentes elos unidos e entrelaçados por um único ideal: O DE AVANÇAR! DIGA AO POVO QUE AVANCE... AVANÇAREMOS!

É preciso resistir para EXISTIR!


Assentamento Terra Vista - Arataca (BA), 07 de dezembro de 2014

Reflexões da mesa "Agroecologia e Governança''


Deyse

''Não podemos deixar nada nos separar. A agenda de luta da Teia é uma agenda para a vida inteira."


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Sayô Adinkra

“As políticas públicas são tudo aquilo que o governo decide fazer, ou não, a partir de demandas da sociedade. Pode existir política pública que o governo ainda não intervem. Existe a política pública a nível macro, que é feita pelo governo, mas existe também uma multiatorialidade nessa construção, que não parte do governo, é o caso dos movimentos sociais... Estar na Jornada é alimentar nossa capacidade de avançar!''


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Joelson Ferreira

“Há 26 anos no MST traz em sua fala o ideal que motiva a luta, a Revolução Brasileira, e convoca todos os guerreiros e guerreiras que há séculos lutam pela liberdade, os caciques, Zumbi, Dandara, Ganga Zumba. É preciso juntar os segmentos que compõem a Teia em uma pauta única, e também garantir soberania alimentar, para lutarmos de barriga cheia... O Brasil tem que assumir a responsabilidade da revolução, que já é mundial, e derrubar o capitalismo, não há outra alternativa. É chegada a hora de juntar os guerreiros e as guerreiras.”


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Adélia, reitora da UESC, fala da aproximação da universidade em prol dos movimentos sociais e do campo, citando as turmas formadas na especialização em Agroecologia e todo um conjunto de ações que reconhece a democratização do acesso à universidade, como a reserva de vagas.


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Homenagem das mulheres da Teia em apoio à Cacica Maria Muniz, que passa atualmente por processo judicial.


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Painel de Semente produzido durante a Jornada com elementos dos povos que compõem a Teia.


Mística Final



 


Curta-Documentário Semente Paraíso

Confira o curta-documentário Semente Paraíso, produção audiovisual sobre o trabalho de agricultura urbana do MSTB (Movimento dos Sem Teto da Bahia), entre dezembro de 2013 e agosto de 2014, em Salvador (BA). O trabalho foi uma parceria entre CEAS, NEPPA e a Brigada de Audiovisual dos Povos.
                                   
                                       Semente Paraíso.